Desde há uns tempos que combino explicações (de Matemática) em cafés.
É a vida...
Nos cafés sem se esperar ouvem-se coisas giras.
Ontem, enquanto um explicando resolvia uma série de exercícios propostos à minha frente e eu simplesmente acompanhava com o olhar, ouvi alguém, numa mesa vizinha, formado em Matemática falar do seu percurso académico, das suas notas...enfim...
Achei irónico..
Muito irónico.
Não ouvi de propósito e portanto nem comentei...
Eu tive melhores notas... melhor percurso. Mas, bem... sou "explicador de café". Ele, professor.
Sorte a dele. Azar o meu.
O Scratchy (o meu computador) há já muito tempo que precisa de uma reforma... mas não há dinheiro.
Há coisas muito mais prioritárias (por exemplo, preciso de uns óculos novos, nem sequer a armação anterior serve).
Aliás, o Scratchy, embora goste muito dele, é um dos responsáveis por eu muitas vezes nem fazer revisões ao texto.
Tive de tomar decisões bem difíceis, como abandonar a carreira universitária ou desistir de dois mestrados.
[Não me venham com tretas de "desistir nunca é o caminho" ou outras frases feitas, sou uma pessoa bem racional e pesei muito bem factos, consequências e circunstâncias]
Na verdade, parece-me que quando em mestrados só com um ou dois alunos uma pessoa com um percurso como o meu é forçada a desistir, algumas coisas têm de ser reavaliadas.
Todos os anos quando saem as notas brilhantes de muitos alunos nos exames de acesso ao ensino superior não consigo deixar de pensar na minha vida.
Neste mundo de sacanas, bons alunos podem ser sabotados por todo o tipo de "jogadas".
- O colega que quer o estágio dele.
- Um professor arrogante o suficiente para não fazer uma avaliação justa, ou simplesmente negar o direito à avaliação
- O colega de casa que não o deixa dormir.
- O professor que não prepara as aulas obrigando o aluno a perder muito mais tempo na sua disciplina do que perde nas outras.
- O colega que copia o trabalho e entrega primeiro...
- etc
... nem preciso de usar a imaginação.
Eu passei por vários destes e mais alguns.
Enquanto estudante no superior passei por
3 internamentos hospitalares (nenhum por qualquer tipo de esgotamento )
.
Um na minha licenciatura e
dois no meu último mestrado.
Por exemplo, após ter saído do internamento da licenciatura e regressado às aulas, fiz uma frequência.
Quando saíram as notas, à frente do meu nome estava um asterisco, em vez de uma nota...
À frente do meu e do de muita gente.
Bem... fomos todos acusados de copianço! E até ameaçados com expulsão..
Ora... eu não sou cábula nem copio. Entrei em Matemática... eu acabei o secundário com 20.
Não entrei na licenciatura para ser um cábula! Como poderia eu provar àquele individuo que eu não tinha copiado nada por ninguém apesar de não ter ido a muitas aulas?
[Só (muito) mais tarde compreendi o que realmente se passou naquele teste]
No ano seguinte.
Em 98/99 .. continuava eu em tratamento e com visitas regulares ao médico, preso ao SNS.
Apanhei a greve dos médicos e por várias vezes tive de esperar horas à espera no hospital, faltando a aulas.
Ou tendo de explicar a professores que eu não ia conseguir estar presente na aula do dia tal...
Até ao dia em que se lembraram de desmarcar consultas e remarcar quase em cima da hora.
Não vale a pena falar do professor que decidiu que éramos todos burros e gerou notas aleatórias entre 10 e 12 e distribuiu por todos os alunos SEM QUALQUER AVALIAÇÃO.
Tive consciência de que ter um problema de saúde em Portugal é quase interpretado como um acto criminoso.
Nos meus tempos em Lisboa, por inúmeras vezes, estando eu acompanhado do meu dossier médico com assinaturas, guias de tratamento, carimbos, declarações... me arranjaram atritos em centros de saúde, só porque eu estava registado na Madeira e não em Lisboa.
Ora a minha morada em Lisboa era provisória Eu estava ali só para um mestrado.
Aliás cheguei a ter de mudar de casa 3 vezes, duas delas repentinamente!
Num centro de saúde, perto de casa, chegaram a recusar-me o tratamento...
E um dia, num centro de saúde. depois de consultar toda a minha documentação uma enfermeira disse-me:
"Sabe... eu não queria dizer isto, mas... isto só pode ser má vontade por parte dos meus colegas"
Nem vou falar dos professores que até levarem o meu problema de saúde a sério, trataram-me como eu trataria um bom baldas...
Voltei à Madeira.
Continuo a visitar regularmente o médico de família no centro de saúde.
Pela primeira vez em muito tempo até estou estavelmente bem
Gostava ao menos de ter um emprego decente para ao menos poder contribuir para o SNS/segurança social.
(ou então... mais explicandos, para eu poder fazer disto profissão)
Sou matemático. Não sou contabilista, secretário, informático, ...
E estes são apenas umas espreitadelas para a vida de um indivíduo, chamado
Carlos Paulo, que um dia terminou o secundário
nesta fantástica escola com 20 a Física e a Matemática (sem ter recorrido a explicações) nesse ano teve a melhor prova específica de Matemática da Madeira... e entrou numa Licenciatura em Matemática, muitos anos antes de nos imporem (e, em alguns sítios,
mal e porcamente) uma coisa chamada
processo de Bolonha.
A minha vida dava um livro...
"Tira Matemática do currículo" já me sugeriram..
Bem, se eu tirar Matemática.. fico "sem nada".
A Matemática sempre foi e é a minha vida...
Boa sorte para a vida a todos os que concorrem agora ao ensino superior... Boa sorte mesmo!
Um bocadinho de sorte nunca fez mal a ninguém.
(yeah...sure... he didn't live in Portugal)
Observação:
Por favor.. se algum dia a minha vida acabar em livro, livrem-se de utilizar acordo ortográfico!
A minha autobiografia não vai usar, mas não a publicarei!