sexta-feira, 17 de maio de 2013

Equações de 3º Grau:
A fórmula de Tartaglia
Parte 3 (última parte):
-O discriminante.
-Resolução de uma equação polinomial de 3º grau completa

Até agora apresentei a dedução e alguns exemplos de aplicação da fórmula de Tartagia (ou Cardano-Tartaglia se preferir).
Hoje, para finalizar os posts sobre a fórmula de Tartaglia vou falar do discriminante.
Sempre que se tiver a equação
 3
x + px + q = 0

e a condição q2
4- + p3
27- 0 a equação tem uma solução real dada pela fórmula.
   ∘ ---------------  ∘ ---------------
    3  q  ∘ -q2--p3   3  q   ∘ q2---p3
x =  - - +   --+ -- +   -- -   --+  --
       2     4   27      2     4    27

vimos ainda que esta fórmula pode dar todas as soluções da equação desde que se considere
x = α + β

onde α é uma das raízes cúbicas da fórmula anterior interpretada como raiz complexa, e β determinado a partir de α pela fórmula
      p
αβ = -3

Recorrendo a estas fórmulas é relativamente fácil provar que
Se Δ = 4p3 + 27q2 .


Δ < Três zeros reais (distintos)


Δ = 0 Um zero real simples e um duplo. Se p = q = 0 A eq. só tem um zero que é triplo.


Δ > 0 Um zero real simples e dois complexos conjugados


Note-se que, por razões que espero que sejam óbvias, Δ tem o mesmo sinal que q2
4 + -p3
27
A dedução é simples, qualquer pessoa que tenha acompanhado estes posts e conheça e saiba utilizar as fórmulas de De Moivre deve conseguir fazê-la.
(É simples sim. Até eu fui capaz de o fazer!)
A fórmula de Tartaglia permite ainda resolver equações polinomiais do 3o grau completas.
ax3 + bx2 +cx + d = 0

fazendo a substituição
x = y- -b
       3a

temos:
  3    2              (     b)3    (    b )2    (    b )
ax + bx + cx+ d  =   a y - 3a   + b y - 3a   + c y - 3a  + d
                              2     2      3          2      2
                 =   ay3 - 3aby-+ 3ab2y-- ab-3 + by2 - 2b-y + b b-2 + cy--cb + d
                           32a    39a    227a  3       3a    9a       3a
                 =   ay3 + b-y- -b--- 2b-y+  b--+ cy- cb + d
                          3(a    27a2)    3a    9a2       3a
                 =   ay3 + - b2 +c  y-  cb- -b3- + b3-+ d
                             3a         3a  27a2   9a2
                       3  (  b2   )     2b3   cb
                 =   ay +  - 3a +c  y+  27a2-- 3a + d
Logo
ax3 + bx2 +cx + d = 0

é equivalente a
     (  b2   c )    2b3    cb   d
y3 +  - --2 +-- y + ---3 ---2 + --= 0
        3a   a      27a   3a    a

Que é uma equação que pode ser resolvida recorrendo à fórmula de Tartaglia.
Exemplo:
x3 - 2x2 - 5x+ 6 = 0

Faz-se
x = y + 2
        3

Ficamos com
    19    56
y3 ---y + -- = 0
     3    27

q2   p3    25
-4 + 27 = --3 < 0

Logo há 3 soluções reais. Poderá demonstrar sem dificuldade que:
    √ --   (        )        (           )
    --19     θ+-2πk-            28   5√ -
y = 2 3 cos     3    ;θ = arg  - 27 + i3 3  ;k = 0,1,2

Mas esta fórmula não será a mais desejável visto que obriga a trissectar um ângulo. Então, vou mostrar o que podemos tentar fazer:
Ao calcular α3 chegamos ao valor -28/27+i (5/3)√ 3 
 Mais uma vez, o truque passa por tentar completar um cubo
      3
(a± bi)  =  a3(± 3a2bi-) 3ab2( ∓ b3i )
         =  a  a2 - 3b2 ± b 3a2 - b2 i
As duas formas deste desenvolvimento vão ser úteis.
 28   5√ -         28   (16    3) √ -
--- ± -  3i = =   --- ±  -- - --    3i
 27   3            27     9   27(   )
                   28   16√ -    √3-  3
              =   -27 ± -9  3i∓  -3-   i
                                      (   )
                   28      16   √3-     √3  3
              =   -27 ± 3× -9 × -3-i∓   3--  i
Agora, nota-se que
a(a2 - 3b2) = - 28
              27

e que já "sabemos"quanto é a2 e b2
          (          )           √-    (√ -)3
...  =  - 4  16- 3 × 1  ± 3× 16 × -3-i∓  --3   i
         3  9       3        9    3      3
       (   )3           √ -      (   )   ( √- )2  ( √ -)
    =   - 4   ± 3× 16 × --3i- 3×  - 4  ×   -3-  ∓   --3  i
          3         9    3          3       3        3
       (      √- )3
    =   - 4 ± -3-i
          3    3
Assim, sabemos que
      28   ∘--25   (  4   √3 )3
α3 = --- +  - -- =  - - + ---i
      27       3      3    3

ou seja, ficámos a saber um dos α. Sabendo um, facilmente se determinam os outros dois e os correspondentes β.
          √ -
α1 = - 4 +--3i
      3    3

                 √19-
|α1| = |α2| = |α3| =-3

     (      √- )        (      √ - ) (     √ - )        √-
α  =  - 4+  -3i  cis2π-=   - 4+ --3i   - 1+ --3i  = 1 - 5-5-i
 2      3   3       3       3   3       2   2      6    5

     (         )         (         ) (         )
        4   √3-     4π      4   √3      1   √3-     7  √3
α3 =   -3 + -3-i cis3--=  - 3 + -3 i  - 2 - -2-i =  6 +-2-i

         19        √--
βj = -(√--3---)-=  -19cis- θj = αj
     3 --19cisθj     3
        3

Assim sendo
y = α  + α-= 2 Reα
 j    j   j       j

Portanto
        8
y1 =   -3
       1
y2 =   3
       7
y3 =   3
e como se tinha
x = y + 2
        3
Então as soluções da equação original são:
x   =  - 8 + 2 = - 2
 1       3   3
x   =   1+ 2 = 1
 2      3  3
x   =   7+ 2 = 3
 3      3  3
Observação: É óbvio que este último exemplo seria facilmente resolúvel recorrendo apenas aos conhecimentos do actual ensino secundário, mas o objectivo aqui é mostrar uma técnica.
E assim concluo a série de posts relativos à fórmula de Tartaglia (ou Cardano-Tartaglia). Conheci a fórmula através de um livro de divulgação quando eu tinha 15 anos. O livro sugeria a demonstração, que incluí aqui na 1ª parte. Eu tinha aprendido a fórmula resolvente das equações do 2º grau pouco menos de um ano antes, e conseguir deduzir esta fórmula para mim , na altura, foi motivo de orgulho. Ainda não conhecia os números complexos que mais tarde me permitiram desenvolver as técnicas que puderam ver neste blog, e que não devem ter nada de original. O livro chamava-se "Número, a linguagem da ciência" e o autor é Tobias Dantzig.
Não tenho nenhuma cópia do livro.
Li-o através do serviço de bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, a quem devo muitas das melhores leituras da minha adolescência.
Durante a licenciatura em Matemática, para meu choque, nunca vi esta fórmula em disciplina nenhuma, embora esteja historicamente associada aos números complexos ou ao desenvolvimento da Teoria de Galois.
De facto, com as técnicas da Análise Numérica, e mesmo o Teorema do Resto, e processos como a divisão de polinómios, muitas vezes todo este trabalho acaba por se tornar redundante ou pouco eficiente, mas faz-me admirar todos aqueles que entre os séculos XVI e XVIII dedicavam o seu tempo a estes problemas.
Espero que tenham gostado.
Até à próxima.
 Carlos Paulo.

1 comentário:

José Benedito disse...

Gostei muito. Aliás ler os posts deste blog é sempre um prazer. Obrigado! PJ

Este blog recusa-se a utilizar o Acordo Ortográfico de 1990